Há um bom tempo atrás eu
vi certa vez uma menininha extremamente tímida... Ela tinha vergonha de tudo e
de todos, mas o ponto em questão não era a personalidade dela, e sim aquilo que
ela gostava de fazer... Ela colecionava flores, das mais variadas espécies,
fossem ela azuis ou amarelas, ela as colocava em um pequeno vaso e as guardava
dentro de um baú... Um baú que ela gostava de dizer que se tratava dela, e não
das flores. Não dizia respeito ao ato de colecionar flores, dizia respeito ao
fator de ser algo que a fazia sentir-se completa, realizada.
Voltei pra casa aquele dia e fiquei pensando no que aquela
garotinha tão tímida havia me dito: “não se trata das flores, trata-se de mim”.
Naquela noite mal pude dormir, eu estava com uma vontade enorme de talvez ter
uma coleção, como aquela garotinha tinha... Uma coleção que falasse sobre mim,
que me completasse que me fizesse sentir-me realizada... Mas eu simplesmente não achava uma única coisa
que eu pudesse colocar dentro do meu baú – pelo menos nada que eu julgasse
valer à pena. Sentei-me no sofá com uma xícara de chocolate quente. O que me
dava prazer? Eu nunca havia parado pra pensar nisso. O que eu gostava o que
valeria a pena guardar? Ou o mais importante: O que eu poderia dizer que era
minha essência? Foi ai então que eu
senti o sabor doce e suave do chocolate tocar os meus lábios, eu tive uma
lembrança de quando eu era pequena, uma lembrança que me fazia sentir bem,
protegida. Abri os olhos rapidamente... Eu sabia! Eu sabia qual era minha
essência... Eu sabia com o que eu preencheria meu baú: com lembranças. Se as
pessoas colecionam selos, cartas, flores, fotos, porque eu não poderia
colecionar lembranças? Estava decidido, eu colecionaria sonhos, desejos,
vontades, saudades, lembranças... Eu encheria o meu baú com todas as coisas que
eu acredito que valem à pena.
Comecei com um passo de cada vez... Lembrei-me de um fato
curioso da minha vida, eu era tão pequena, estava na casa dos meus avós...
Lembrei-me como se fosse ontem do cheirinho tão familiar de café sendo passado,
de bolo sendo assado ao forno e de carinho sendo dado. Lembrei-me de quando meu
avô me levava para a escola e de como eu amava ficar na casa dele quando
voltava. Lembrei-me da minha avó me levando na doceria e fazendo fantasias pra
mim. Lembrei-me do exato timbre da voz deles, do exato momento em que eles
tornaram-se meus heróis, do exato formato do rosto tão familiar e acolhedor que
eles tinham. Lembrei-me como se fosse ontem... Daí então eu chorei. Eu chorei
tudo o que eu não havia chorado e senti tantas saudades quanto um dia eu senti
de alguém. Eu nunca pensei que perder alguém doía tanto assim... Mas descobri
da pior maneira a verdade. Respirei fundo e coloquei no meu baú todas as minhas
lembranças boas que tive deles, todos os momentos felizes e coloquei também a
saudade... Mas a tristeza eu simplesmente descartei, eu não precisava dela...
Pelo menos não agora.
Passaram-se horas, dias, semanas – eu não saberia dizer –
até que eu pudesse enfim me recompor e voltar a me concentrar em meu baú.
Pensei então em me focar em algo que tenha provocado risadas em mim... E ai
então, eu voltei alguns anos atrás. Éramos três garotas acordadas de madrugada
dando risadas e comendo pipoca. Lembrei da época em que eu e a Ary precisávamos
dizer pra Dih sussurrar. Lembrei de Bertioga, do show à noite que nós fomos
assistir. Lembrei das tardes jogando truco e dos apelidos que só nós
entendíamos. Estava tudo onde deveria estar... Problemas e cumplicidade
compartilhada. Mas daí então me veio á mente uma época em que a Dih já não
estava... Por algum motivo que eu sinceramente não entendo. Aconteceu tão
rápido, foi assim, tão de repente. Ela não se foi simplesmente... O pior era
saber que ela perdeu-se de tal forma, que talvez nunca voltasse. E ai doeu.
Doeu com todas as minhas forças, eu me senti completamente impotente vendo-a ir
embora sem poder fazer nada. E foi exatamente nessa fração de segundos que a
realidade me tomou desprevenida, me jogando na cara que ela não estava mais
aqui... Que ela talvez nunca mais estivesse. E mais uma vez eu me vi sentada no
chão chorando sozinha, tão triste e tão perdida quanto eu poderia supor.
Guardei então as lembranças boas que tive com elas, guardei com o maior cuidado
o que talvez fosse uma das melhores lembranças que tive: amizade. E a
tristeza... Mais uma vez eu não a deixei participar das minhas memórias.
Passaram-se horas, dias, semanas – eu não saberia dizer –
até que eu pudesse enfim me recompor e voltar a me concentrar em meu baú. Dessa
vez resolvi ir um pouco mais fundo, mergulhar em uma memória que eu sabia que
me causaria dor, mas é que haviam momentos tão perfeitos nela, que eu não
poderia simplesmente ignorar... Eu tinha de enfrentá-las, e separá-las.
Lembrei-me da quinta série... Éramos tão jovens, achávamos poder possuir o
mundo. Éramos fantásticos, incomparáveis. Quatro amigos e o mundo todo pela
frente, éramos tão donos do nosso destino. Na época nós juramos amizade
eterna... Eu me lembro como se fosse ontem. Nós dissemos que seria pra sempre.
Mas no fim talvez tenham sido apenas palavras vazias. De quem foi à culpa? De
Mel por exigir demais? De Luka por não estar presente? De Sam por não se
envolver? Minha culpa... Por amar demais? Sinceramente eu não sei. Mas a vida
nos mostrou o quão dolorido pode ser o romper de uma amizade. Éramos quatro,
passamos a ser três, por fim, éramos apenas dois. Chorei desesperadamente
esperando que aqueles tempos voltassem... Chorei na esperança de que pudesse
trazê-los de volta, de alguma forma. Mais uma vez, eu me vi embalando as boas
lembranças e guardando-as com todo o amor e carinho dentro do meu baú. Guardei
as risadas, as brincadeiras, a cumplicidade, os segredos, as histórias, guardei
até mesmo as lágrimas que passamos lado a lado... Mas a tristeza eu joguei
fora. Fechei os olhos e lancei-a o mais longe que pude de mim, da minha vida e
do meu baú. Porque o dia que eu resolvesse abrir em fim o meu baú de histórias,
eu queria reviver os momentos bons que tive com cada um, eu queria me lembrar
dos sonhos que compartilhei e dos desejos que se tornaram realidade... Não queria
ter de abri-lo e me deparar com tudo àquilo que eu fugi por toda uma vida.
Passaram-se
horas, dias, semanas – eu não saberia dizer – até que eu pudesse enfim me
recompor e voltar a me concentrar em meu baú...
lindo amiga, de verdade. e mesmo que muita coisa tenha mudado, vamos guardar aquilo que foi bom. sabe que eu sou sou sua fã ♥
ResponderExcluirQuerida autora
ResponderExcluirMas que linda coleção a sua!
Eu coleciono sorrisos, olhares e - por mais estranho q pareça - às vezes capturo um ritmo respiratório ou batida de coração.
Sou apaixonada por flores (tenho algumas guardadas em livros), mas podem ser roubadas. Já a minha coleção ou a sua coleção, ninguém pode nos tirar.
Só não tente desperdiçar as lembranças tristes: talvez elas possam ficar em um cantinho separado do baú, mas são valiosas demais para serem jogadas fora.
Um beijo.