Naquela noite eu fui dormir chorando. Você deveria ter me
perguntado o porquê às lágrimas escoriam por meu rosto, mas você não o fez.
Você deveria perguntar se havia algo que você pudesse fazer, mas você evitou.
Naquela noite... Enquanto eu chorava, você entrou no quarto, foi até o
banheiro, levou a água ao rosto como quem faz isso não de uma forma natural ou
consciente, mas de forma metódica e tediosa. Você saiu do banheiro olhou nos
meus olhos que há essa hora estavam marejados de lágrimas, pegou seu
travesseiro, um cobertor e disse: “Vou estar lá embaixo assistindo o jogo.” E
assim você se foi. E assim eu me fui, e o meu carinho por você se foi... E como
era de se esperar o meu amor pegou carona no embalo que você estava e também se
foi.
Naquela
exata fração de segundos eu não saberia dizer ao certo o que eu senti –
sentimentos fortes – mas esses envolviam tantas coisas... Raiva, de você por
ser um completo idiota e de mim por ter aturado tudo o que você fez, todo o seu
desprezo e falta de atenção. Frustração, por após tanto tempo descobrir da pior
forma possível que você não me merecia... De verdade. Tristeza, por ver que
enquanto eu me importava e me desdobrava em duas pra ver você bem, você ao
contrário, não fazia a menor questão de me ver sorrir. Amor próprio, eu decidi
que você não era o homem pra mim, que eu não merecia chorar por um alguém que
não valia à pena. Depois que esses segundos, que mais pareceram horas, se
passaram... Eu respirei fundo e tomei uma decisão que eu já deveria ter tomado há
muito tempo atrás. Eu fiquei sentada por mais trinta ou quarenta minutos
pensando exatamente no que me prendia a você ainda, e eu vi que não havia
sequer um motivo. Eu percebi que nós não tínhamos absolutamente nada em comum
mesmo, era só a minha vontade de fazer dar certo que me unia a você, e você se
aproveitava, pois era cômodo! Mas eu só percebi isso quando meus objetivos pro
futuro ficaram claros... Enquanto os seus eram tão nublados. Eu queria uma
família, eu queria um amor de uma vida inteira, eu queria um eu te amo diário
no café da manhã e eu queria envelhecer ao lado de uma só pessoa. Mas você não.
Digamos que você queria completamente o oposto, eu só estava cega demais para
enxergar. Eram pequenas coisas, que agora eu notava que estavam tão nítidas.
Era sempre eu quem te abraçava, era sempre eu quem perguntava como foi o seu dia,
você o fazia por educação em seguida. Era eu quem me importava se você estava
bem ou precisava de algo... Era eu quem segurava sua mão se você caísse, mas eu
percebi que se eu caísse, não haveria ninguém pra me levantar se dependesse de
você. Eu nunca pedi nada em troca, eu sempre amei sem reservas e
incondicionalmente, mas é como minha mãe diz: “Amar sozinha não da certo!” E
foi exatamente por hoje, pela sua atitude de me deixar sozinha que tudo isso
veio á tona, foi o seu desleixo que me deixou ver o que antes eu não queria
enxergar.
Levantei
da cama e fiz o mesmo procedimento mecânico que você fez ao entrar no banheiro,
lavei o rosto de forma habitual e sem sentimentos. Peguei a mala em cima do
guarda roupa e coloquei nela tudo o que eu achava que seria importante dali pra
frente: Livros, roupas específicas, anotações pessoais, algum dinheiro e por
fim uma foto... Uma única foto sua, pra eu me lembrar de nunca mais me ferir. Fechei
a mala e com ela eu fechei tudo o que um dia eu passei com você. Desci as
escadas com o barulho da mala arrastando no chão frio. Olhei pra você com um
olhar que você nunca pensou que eu seria capaz: pena. Eu vi em você tudo o que
eu não queria pra mim, tudo o que eu desprezava e sentia apatia. Você me olhou
com um olhar difícil de descrever... Era insegurança, descrença, medo? Eu não
sei. Mas você só me olhou... Não disse uma só palavra, talvez, porque você
sabia que uma hora isso aconteceria. Eu não desviei o olhar nem por um segundo.
Queria que você me visse ir embora com a cabeça erguida. Fui até a porta e
apenas disse: “Vou passar um tempo fora, quando voltar, quero você longe da
minha vida.” Me dirigi até o meu carro estacionado na garagem, abri o portão e
dirigi sem ter uma certeza exata de onde ir. Apenas dirigi... Sem rumo.
Senti-me leve, livre e feliz... Tão feliz quanto eu não me sentia havia alguns
anos. Eu estava protegida... Eu tinha criado uma armadura em mim que me
protegeria da sua indiferença, e eu poderia me cuidar melhor... Ter mais amor
próprio. Eu ficaria bem...